Aos 95 anos, Bibi Ferreira descarta aposentadoria e mostra lucidez invejável em entrevista exclusiva ao Curta Mais

Diva do teatro brasileiro, ela desembarca em Goiânia no dia 11 de Junho: 'Parar ou aposentar, são palavras que não fazem parte do meu dicionário'

Caio Miranda
Por Caio Miranda
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Aos 95 anos, pode se afirmar que Bibi Ferreira está no auge de sua carreira desde a sua estreia nos palcos, há 75 anos. Versátil, a cantora, compositora, atriz e diretora permanece em atividade com o mesmo vigor daquele tempo. A eterna diva das artes brasileira desembarca em Goiânia no próximo dia 11 de Junho com o espetáculo 4XBIBI, onde interpreta com sua voz inesquecível clássicos de outras lendas nacionais e internacionais do porte de Edith Piaf, Frank Sinatra, Carlos Gardel e Amália Rodrigues.

Em entrevista exclusiva para o Curta Mais, Bibi fala sobre a sua vida, o atual momento político do país e, é claro, seu novo espetáculo.

 

Curta Mais: Bibi, a influência exercida pelo mestre Procópio Ferreira, seu pai, foi determinante para que seguisse a carreira artística?
Bibi: A história com meu pai tem duas vertentes. A primeira é que ele precisava de uma novidade para estrear sua nova temporada em 41. O conselho veio de um amigo, o grande intelectual Gastão Pereira da Silva: “Procópio, lança tua filha”. Papai foi até a casa da minha mãe e pediu autorização. Mamãe deixou. Na época não pensaram em me perguntar. (Risos) E assim foi. Estreei ao lado dele. Por outra vertente, logo percebi a dimensão do meu pai enquanto artista. Ele era muito culto, muito admirado, fazia muito sucesso. Arrastava multidões na época que não existia a televisão.

 

Curta Mais: Bibi, de La Locandiera, em que interpretou Marandolina, até agora, são passados 75 anos da sua estreia nos palcos — um marco inatingível para qualquer outro artista. Que avaliação faz dessa trajetória?
Bibi: Sou uma mulher do palco. Gosto do que faço. Sempre dou o meu melhor. Sempre. Quando entro em cena o mundo muda, tudo muda. Sei que estou ali para fazer o meu melhor. Sei que não vou ser interrompida. A sensação que tenho, já falei isso outras vezes, é que nessa comunhão palco e plateia, me encontro com Deus. 
Sou muito orgulhosa da minha carreira. Tenho consciência de como é difícil ter uma carreira. Mas também sei do que me entreguei e entrego ate hoje para estar aqui.

 

Curta Mais: Manter-se em cena aos 95 anos — a serem comemorados no dia 10 — representa o que para a grande diva das artes brasileiras?
Bibi: A identidade diz dia 10, meu pai falava que foi dia 4 e minha mãe que foi dia 1. Eu comemoro no dia 1 de junho. Não gosto muito de números, mas sim são 95. Me sinto muito feliz pela minha lucidez, por ainda estar nos palcos, viajando com meus shows. Adoro cantar. O repertório desse meu show é lindo. Muito bom cantar canções tão bonitas. Meu pai sempre dizia que definitivo mesmo é a velhice, porque a juventude é passageira. E é isso mesmo. O importante é ter saúde.

 

Curta Mais: Atriz, cantora, diretora, apresentadora, são as múltiplas facetas de uma artista completa, sem similar no país. Embora tenha feito todas bem, com qual dessas funções se viu mais por inteira?
Bibi: Obrigado pelas suas palavras. É uma sensação muito boa você sentir que aquilo que você dedicou sua vida, florou. Vingou. Compensou. 
O canto para mim é muito especial e muito difícil. Então, no teatro, sou sempre a atriz. A atriz que canta, mas uma atriz.
Se você me falar de televisão, sempre tive meus programas e sempre fui apresentadora. Gosto muito da possibilidade de falar diretamente com o público.

 

Curta Mais: Em sua longa carreira, protagonizou espetáculos que se tornaram clássicos da nossa dramaturgia, como os musicais ‘My fair lady’, ‘O homem da La Mancha’, ‘Brasileiro, profissão: esperança’ e ‘Gota D’Água’. Com qual mais se identificou e por que?
Bibi: Gota d’agua foi um momento muito, muito especial. Pelo momento em que me encontrava como artista, pelas possibilidades que a personagem me oferecia e pelo talento de Paulo Pontes e Chico Buarque de Holanda.
Piaf foi o maior sucesso.

 

Curta Mais: A sua decantada versatilidade a levou a interpretar a obra de Amália Rodrigues, Edith Piaf, Carlos Gardel e Frank Sinatra, cantando em português lusitano, francês, espanhol e inglês. Em qual desses espetáculos se deparou com maior dificuldade, mesmo tendo o domínio da língua? 
Bibi: Foi com a Amália Rodrigues, pela proximidade com o português falado no Brasil. Foi um trabalho muito minucioso. Palavra a palavra. Tive a direção o do poeta Tiago Torres da Silva que fez esse trabalho comigo.

 

Curta Mais: Qual foi seu critério para escolher as canções desses espetáculos e reuni-los num só musical?
Bibi: Partimos do melhor de cada um, do que mais gostava de cantar. É um repertório lindo. De todos o que mais gosto de cantar é o Sinatra. ‘Old man river’, ‘Night and Day’, ‘That’s life’… são grandes canções.

 

Curta Mais: Fala-se que há um espetáculo sendo preparado para sua despedida dos palcos. O que vem por aí?
Bibi: Estou pensando muito. Meu empresário me disse que está conversando para eu voltar a ter um programa na TV musical, recebendo convidados, cantando muita coisa bonita. Gosto muito dessa ideia. Conseguir atingir todo o País. 
Se isso sair, sim, irei diminuir as turnês, viajarei menos, bem menos. Se não, continuarei minhas viagens do mesmo jeito. A palavra parar, ou se aposentar, não fazem parte do meu dicionário.

 

Curta Mais: Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg são raras contemporâneas suas que se mantêm em atividade. Quais foram os(as) outros(as) que no seu entendimento deram importante colaboração à cultura brasileira? 
Bibi: São muitos nomes. Muitas gerações. Você falou do meu pai, claro. Madame Morineau, Gianni Ratto, Flavio Rangel, Dulcina de Morais, Dercy Gonçalves, Eva Todor, a família da Marília Pera toda. É muita gente. O teatro é feito por muita gente, por cada homem que abre a cortina de cada teatro em todo o país.

 

Curta Mais: Quem são os artistas das novas gerações – no teatro e na música – que têm a sua admiração?
Bibi: Olho com grande satisfação o amadurecimento que nossa arte passa e tem passado. São muitas pessoas criando, escrevendo, compondo, fazendo. O nosso teatro musical cresceu muito, temos grandes talentos, uma nova geração, ótima, pronto para novos desafios. Tenho preocupação com a falta de escritores. Sei que tem muita gente escrevendo, mas pouca coisa boa. A música brasileira é sensacional. Diversa. Nossos artistas são de extremo talento. Acho que poucos países tem uma classe artística tão talentosa.

 

Curta Mais: Tem acompanhado de que forma o momento conturbado da vida nacional? 
Bibi: Com muita tristeza e decepção. Que saída aponta para que o país volte à normalidade? Pensar no momento do voto. Outro dia me falaram de uma campanha de não reeleger ninguém. Mas ninguém mesmo. Fazer uma limpa na vida pública do País. Fiquei com muitas dúvidas, mas talvez seja mais sensato para um novo momento que precisamos, a inexperiência honesta dos novos a experiência soberba e desonesta dos que aí estão.

 

Curta Mais: Ao longo da sua vida nos palcos, quais momentos ainda são marcantes para você? Tem algum momento inesquecível?

Bibi: Até hoje sinto um frio na barriga quando vou entrar em cena. E já disse para todos que estão a minha volta: no dia que parar de reclamar disso, não me deixe mais entrar em cena. Estar no palco, acima de tudo, é um ato de coragem.

Outra questão importante para colocar. São 76 anos de carreira. Me orgulho muito dos tantos espetáculos que tive a oportunidade de fazer. Mas tenho a certeza de que nunca fiz nada por fazer. Tudo que fiz, optei por fazer. Escolhi fazer. Sabia que em cada personagem tinha o que tirar. Não existe um dia igual ao outro. O público muda, você está diferente.

Então, respondendo a sua pergunta, minhas estreias foram momentos especiais na minha vida. O dia que você apresenta ao público como criou, como você deu vida àquela personagem. Eu adoro ensaiar. Agora, impossível não falar do ‘Hello Dolly’, ‘My fair lady’ e ‘O Homem de la Mancha’. Quando a comedia musical chega ao Brasil.

E ‘Gota d’água’ então, a maior obra da dramaturgia brasileira. O talento explícito de Paulo Pontes e Chico Buarque de Holanda. Fazer Joana, mesmo com tudo o que já tinha feito, é marcante na minha carreira.

Piaf, quantas histórias. Como não destacar. Recentemente, em Nova York, ao apresentar o espetáculo com o repertório do Sinatra, tive a maior ovação que já tive na minha vida após cantar ‘Old man river’. Inesquecível.

 

Curta Mais: Como surgiu a oportunidade de fazer um tributo a estes grandes nomes da música neste espetáculo intitulado 4XBIBI?

Bibi: Em momentos diferentes da minha carreira fiz espetáculos em homenagem a esses quatro grandes nomes da música internacional. Primeiro foi Piaf, em 83. Amália foi em 2001. Gardel em 2009 e Sinatra em 2014. Conforme fui fazendo cada show, começou a ter pedidos das canções no repertório dos novos shows. Canto Piaf até hoje. Os tangos estiveram em vários shows. Um fado é sempre um fado, e Sinatra não precisa de predicados nem adjetivos. Sempre pensamos que em algum momento poderíamos fazer um show com todos juntos, o melhor de cada repertório. Chegou o momento, que foi para abrir as comemorações dos meus 75 anos de carreira, no Vivo Rio, no Rio de Janeiro, no dia 28 de fevereiro de 2016. Estamos em cartaz até hoje.

 

Curta Mais: Fazer esse espetáculo é um desafio para você? Sentiu alguma dificuldade?

Bibi: Cantar é muito difícil. Essas canções que canto nesse show são verdadeiras joias.

Imagine a responsabilidade de cantar vários sucessos mundiais, conhecidas em grandes vozes do mundo. É um desafio diário. Mas o bom é assim. Deixa o fácil para os outros. (risos) E se ficar muito difícil, eu ponha culpa no maestro, e peço para baixar o tom. A culpa é sempre do maestro.

 

Curta Mais: sobre sua vida artística… Como definiria todos estes anos de carreira em meio a tanto sucesso?

Bibi: Trabalho. Trabalho. E trabalho. Cuidado no que fazer e muito respeito ao público.

 

Curta Mais: Além de interpretar ícones da música nacional e internacional. O que este show traz de Bibi Ferreira? O que você imprimiu de pessoal para essa grande noite em Brasília?

Bibi: O mais interessante desse show são as histórias que são contadas para fazer a ligação dramática do espetáculo. São histórias dos bastidores desses shows. Assuntos, acontecimentos e fofocas de cada produção. As pessoas devem se perguntar porque foi contar a vida da Piaf? Porque aconteceu de contar e cantar a vida da Amália?

Contamos as histórias desses espetáculos pelo olhar dos nossos bastidores.

 

Curta Mais: Prestes a fazer aniversário no dia 01, você é quem presenteia os fãs. Agora se fosse para escolher um presente, o que pediria?

Bibi: Saúde, muita saúde. É isso que importa.

 

Curta Mais: Você foi citada pelo jornal New York Times, em 2016, como a grande dama dos palcos brasileiros. Como é para você ter esse reconhecimento internacional? Qual o segredo do sucesso?

Bibi: Quando o repórter do NYT chegou para a entrevista, ele tinha nas mãos a minha fotobiografia, que foi lançada em inglês. Estava com aspecto de tão usada, tão manuseada, que era notório de havia sido muito aberta.

O repórter leu muito, pesquisou muito para me entrevistar. Sabia de muitos detalhes da minha carreira, da importância dos espetáculos que tinha feito, das críticas, dos prêmios. Durante a entrevista, que foi um papo muito gostoso, ele comentou que havia ligado para o Zuza Homem de Mello e que os comentários dele, Zuza, não poderiam ter sido melhores.

Então, fiquei muito lisonjeada com o que ele escreveu. É muito bom você se sentir reconhecida dessa forma, por aquilo que se dedicou a vida toda.

Foi a terceira vez que me apresentei em Nova York, e como falei anteriormente, a ovação na segunda noite foi impressionante. Acabei de cantar ‘Old man river’ e a plateia inteira se levantou. Gritavam. Uma reação realmente forte, que me enche de vaidade. Pense bem, cantar uma música popular deles!!!!

 

Curta Mais: como é chegar no auge da idade com tanta energia, amor, saúde e talento?

Bibi: Agradeço todos os dias a Deus a saúde que tenho. Você estar bem é fundamental.

Não dá para cantar sem entrega, sem domínio, sem prestar muita atenção a cada nota.

Só consigo fazer se estiver bem.

E adoro viajar pelo Brasil. Que País lindo que vivemos.

 

Curta Mais: O que os goianienses podem esperar desse encontro marcante?

Bibi: Música da melhor qualidade, bons momentos, boas histórias e, sempre, o melhor de mim. O prazer de me apresentar para o público goianiense. E no final de junho será lançado o meu novo DVD, do show “Bibi, histórias e canções”, com a Orquestra Sinfônica de Minas. Não percam. Ficou lindo.