Instituto presidido pelo Chef Alex Atala registra marca da Baunilha do Cerrado e causa polêmica com quilombolas

O Instituto ATÁ alega que o objetivo é preservar o projeto e proteger a baunilha de uma possível super exploração

Marcelo Albuquerque
Por Marcelo Albuquerque
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O mais famoso chef do Brasil é o pivô de uma polêmica envolvendo produtores quilombolas na Chapada dos Veadeiros em Goiás. No centro da discussão está a cobiçada Baunilha do Cerrado, iguaria em ascensão no mundo gastronômico. A título de comparação, a baunilha tradicional, produzida na ilha de Madagascar, pode superar R$ 3 mil o quilo!

O Instituto ATÁ, criado por Atala, inclusive já registrou o domínio Baunilha do Cerrado na internet. Basta uma busca pelas duas palavras chaves que o site é um dos primeiros a aparecer no Google. “O projeto possui como um dos seus objetivos principais o desenvolvimento da comunidade através da qualificação de produtos que já fazem parte da economia da comunidade. O projeto prevê qualificação da comunidade; em especial as mulheres para a produção de alimentos de maneira que garanta um produto pronto para o mercado de consumo. Outro objetivo é a criação de um sistema de cultivo de baunilhas em sistema agroflorestal e um projeto piloto de cultivo em estufa; coordenado em parceria com a Associação da Comunidade Kalunga, para que as baunilhas possam ser introduzidas no mercado nacional de maneira justa”, explica o site do Instituto ATÁ dedicado ao tema.

A polêmica veio à tona no dia 13 de abril, durante o lançamento da linha Ecossocial Kalunga, com diversos produtos, como a pimenta-de-macaco e gergelim – produzidos no Território do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, maior quilombo do Brasil, que engloba os municípios goianos de Cavalcante, Monte Alegre e Teresina de Goiás. Mas o alvo principal da disputa é a Baunilha do Cerrado.

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Objeto de desejo: o ainda pouco conhecido fruto do Cerrado tem enorme potencial de mercado. (Foto: Divulgação Instituto ATÁ)

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Presidente do Insituto ATÁ, Alex Atala e o então presidente da Fundação do Banco do Brasil, Asclepius Ramatiz Lopes Soares, assinando o convênio do Projeto Baunilha do Cerrado.

Os produtores quilombolas denunciaram ao site De Olho Nos Ruralistas que teriam sido lesados após o Instituto ATÁ ter registrado o uso do nome da iguaria no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Já Atala se defendeu, por meio de nota, que tomou a decisão para “preservar o projeto, proteger a baunilha de uma possível super exploração em estado selvagem e cumprir com o convênio com a Fundação Banco do Brasil”.

O projeto recebeu R$ 424 mil da Fundação Banco do Brasil para “ajudar os quilombolas a formar uma cadeia produtiva da espécie”, mas os quilombolas alegam que receberam apenas 10% do benefício prometido, segundo a reportagem.

“Caiu muito mal na comunidade a notícia do lançamento, de ter visto os produtos com uma identidade visual que ela não ajudou a elaborar, mas que carrega seu nome, quando oficinas e outras promessas não aconteceram como tinha sido combinado”, disse ao portal De Olho nos Ruralistas a advogada da Associação Quilombo Kalunga, Andrea Gonçalves, que confirma o desgaste entre o chef e os quilombolas.

O assunto também tem causado enorme burburinho no mundo da gastronomia. A chef Carmen Virginia, do Restaurante Altar, em Recife, usou seu Instagram e saiu em defesa dos quilombolas. “A apropriação de alguns chefs a culturas que não são as dele! É muito fácil ter grana pra viajar, estudar nas melhores escolas, aprender técnicas, chegar com sua dolma branca e vim pra nossos terreiros, nossos quilombos, nossas aldeias em busca do nosso tesouro!”

O chef Henrique Pontes, que comanda o Meze, um dos principais restaurantes de alta gastronomia em Goiânia e que usa a Baunilha do Cerrado em seus pratos, comenta o caso.

“Acho uma polêmica ruim até para o próprio nome dele que sempre fez um belo trabalho para a gastronomia brasileira. O efeito mais negativo é que deve fazer o preço subir, o que pode inviabilizar o trabalho com a especiaria. Por outro lado, é bom que ajuda a divulgar a riqueza dos insumos que temos no Cerrado. Se algum dia houver alguma proibição de usar o nome Baunilha do Cerrado, a gente usa o outro nome”, minimizou.

Alberto Nascimento, diretor da Cervejaria Colombina, marca goiana famosa por usar ingredientes regionais em suas bebidas, também critica a iniciativa. “A atitude do Instituto Ata e do Chef Alex Atala de registrar comercialmente no INPI o termo ‘Baunilha do Cerrado’ foi uma grande infelicidade. E essa atitute afeta consideravelmente a credibilidade da instituição e do Chef, que vem fazendo um trabalho importante com os biomas brasileiros. Os registros nas categorias de Serviço, e a tentativa de registro nas categorias de Produto, deixam clara a intenção de tomar posse e restringir. O argumento de que o registro tem o intuito de proteger a baunilha se enfraquece no fato de uma instituição privada, gerida por um profissional da gastronomia, se auto proclamar a defensora desse fruto que tanto encanta nosso Cerrado. O registro comercial não protege, somente restringe ao Chef Alex Atala o direito de uso”.

Curta Mais fez contato com o chef Alex Atala que afirmou, por meio de nota, que o registro não tem fins comerciais. “Os registros da marca “Baunilha do Cerrado” são apenas para beneficiamento de alimentos, e assessoria, consultoria e informação em nutrição; orientação nutricional; assessoria, consultoria e informação sobre pesquisas no campo de agricultura. Portanto, são classificações genéricas e que não guardam relação com qualquer autorização a beneficiar especificamente produtos da base produtiva Kalunga”, pontua.

Em resposta a reportagem publicada pelo site De olho nos Ruralistas, o Instituto ATÁ publicou uma nota sobre o assunto. Leia na íntegra:

O Convênio 15387, assinado com a Fundação Banco do Brasil em 2016, tem como objetivo geral contribuir para a melhoria da qualidade de vida e geração de renda na comunidade Kalunga de Vão de Almas, por meio da produção de baunilha do Cerrado.

No Convênio, o Instituto ATÁ se comprometeu a participar com 9,8575% dos custos totais do Projeto Baunilha do Cerrado, como contrapartida, por meio de aquisição de produtos e/ou serviços, devidamente aprovado e comprovado pela Fundação Banco do Brasil. (Isso esclarece a informação errada no subtítulo da matéria publicada pelo site de que a comunidade recebe menos de 10% do valor. A comunidade se beneficia da produção da baunilha e os quase 10% fazem parte da contrapartida do projeto). As contrapartidas apresentadas foram: cursos de capacitação, desenvolvimento de plano de comunicação e desenvolvimento de portal de conteúdo. Vale destacar que o projeto não executou 100% do recurso aportado pelo financiador, motivo pelo qual o valor restante (R$ 20.228,43) foi devolvido (não creditado) ao financiador.

Em relação aos pedidos pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), reiteramos que os pedidos de registro de marca Baunilha do Cerrado visaram exclusivamente à proteção do projeto contra terceiros de má-fé e para o cumprimento pelo ATÁ nas ações, previstas no convênio com a Fundação Banco do Brasil, e sem qualquer finalidade comercial. Diferentemente das informações da reportagem, esclarecemos que os registros são apenas na classe de serviços, o que não nos permite exclusividade na comercialização da baunilha, juridicamente impossível, afinal somos uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), sem fins lucrativos.

 Em momento algum, o seu registro teve ou tem como objetivo de impedir ou proibir a utilização por qualquer pessoa, incluindo a Associação Quilombo Kalunga, de poder livremente identificar, distribuir ou comercializar o produto com o nome “Baunilha do Cerrado” no mercado, comercialização essa que já acontece.

Como contrapartida prevista no convênio com a FBB, por meio da Central do Cerrado, adquirimos produtos da comunidade e promovemos a revenda em alguns locais nas grandes cidades. Esses produtos não usam marca e/o nome “Baunilha do Cerrado”, apenas o nome do produto (arroz, farinha, pimenta, gergelim e outros), Kalunga (referência) e um logo “Projeto Baunilha do Cerrado”, como indicação da contrapartida do projeto, não com o objetivo de comercialização do produto baunilha-do-cerrado). Todas as ações são compartilhadas com as famílias Kalunga de Vão de Almas que participam do projeto, os convites foram enviados formalmente, sendo que tínhamos presentes dois representantes da comunidade.

É importante frisar que em projetos com comunidades tradicionais algumas famílias se envolvem mais que as outras, o que também aconteceu neste projeto, mas isso não significa que o Instituto ATÁ excluiu qualquer membro quilombola, principalmente, a Associação e sempre teve o cuidado em mantê-los informados das ações. Toda a interlocução desde o início do Projeto se deu foi por meio da Associação da comunidade, desde o começo de 2015. Foram realizadas várias reuniões, encontros participativos e ações coletivas, alguns destes eventos, envolvendo também os financiadores do projeto. Foram enviados e-mails com os passos finais e a sua conclusão prevista para o encerramento do projeto.

Todos os objetivos do convênio assinado com a Fundação Banco do Brasil foram cumpridos pelo Instituto ATÁ. Embora o convênio esteja encerrado, o projeto não se encerrou e continuamos trabalhando com nossos próprios recursos e buscando novos parceiros para dar seguimento ao projeto, se isso for de interesse da comunidade.

Algumas das ações realizadas na comunidade Kalunga não foram citadas na reportagem, tais como:

1)  construção de um viveiro para o cultivo e pesquisa de baunilha do cerrado, com tecnologia para garantir o máximo de qualidade produtiva e ainda possibilitar à comunidade utilizar o espaço para a produção de mudas do cerrado, horta e outros;

2) aplicação de oficinas de capacitação e manejo da baunilha;

3) desenvolvimento e aprimoramento técnico, comercial e sócio-produtivo de produtos da comunidade, como arroz, gergelim, pimenta macaco e farinha, sendo que hoje, esses produtos são revendidos em grandes centros comerciais, tais como, Mercado Municipal de Pinheiros em São Paulo, nos pontos de vendas do Instituto ATÁ e de seus parceiros, gerando renda direta aos produtores da comunidade;

4) realização de oficinas de cozinha infantil com as escolas da comunidade;

5) horta comunitária na escola;

6) realização de duas oficinas para a criação de uma agrofloresta com frutíferas, hortaliças e leguminosas.

O Instituto ATÁ não se dedica à realização de atividades de pesquisa científica envolvendo substâncias, elementos, organismos ou produtos da fauna ou flora brasileiras. Tampouco possui recursos ou infraestrutura para o efeito. Por isso, são infundadas e incorretas quaisquer alegações sobre a eventual apropriação de patrimônio genético ou conhecimento tradicional associado pelo Instituto ATÁ e seus colaboradores, ou até mesmo a existência de eventuais pedidos de patente ou patentes concedidas em seu nome no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). 

É importante lembrar que o projeto deve ficar pronto em até cinco anos, pois as mudas precisam crescer. Hoje os mudários estão ativos e, com o cultivo bem-sucedido dessa espécie nesses locais, o próximo passo é a distribuição das mudas para as mulheres Kalunga para que elas possam ser criadas dentro do sistema social Kalunga. O projeto é feito para que todas as mulheres Kalunga possam ter essas mudas em suas casas – a baunilha é uma orquídea, fácil de se cultivar em casa, principalmente em regiões endêmicas como é Vão de Almas. Sendo assim, faz parte dos nossos objetivos também passar a essas mulheres as técnicas de cultivo caseiro para que elas possam fazê-lo e usar as baunilhas como quiserem.

O Instituto ATÁ atua nessa comunidade como estruturador de cadeia produtiva, com o propósito de fortalecer o território a partir da sua biodiversidade, agrobiodiversidade e sociobiodiversidade. Trabalhamos em parceria com a comunidade para que ela desenvolva e fortaleça o sistema de produção de baunilha, se torne independente, se empodere financeiramente e fortaleça o orgulho dos ingredientes daquele local.

Em todos os projetos do Instituto ATÁ os saberes e as técnicas de produção da comunidade, seja indígena, quilombola e até mesmo o pequeno produtor, são primordialmente preservadas. Em relação ao projeto Baunilha do Cerrado na comunidade Kalunga, atuamos fornecendo aos Kalunga os recursos para que eles possam domesticar de forma sustentável exemplares de um ingrediente que se encontra de forma selvagem em todo o bioma do Cerrado, para que a produção da baunilha complemente financeiramente as produções já dominadas por eles, tais como, arroz, gergelim, pimenta macaco, farinha e demais. Não retemos em nenhum momento do projeto informações georrefrenciadas e as técnicas quilombolas de seu cultivo.   

O ATÁ não possui e não fez coleta ou nenhum tipo de doação de mudas do território, assim como as pessoas que participaram do projeto ou os profissionais de campo. Todas as mudas plantadas foram doadas pelos envolvidos no projeto e estão plantadas no viveiro. Este assunto foi discutido e validado em reunião com toda a gestão da Associação Quilombola, com a presença da diretoria do Instituto ATÁ, em junho de 2018, durante visita ao território.

Somos uma organização sem fins lucrativos e atuamos neste projeto como estruturador de cadeia produtiva. Reiterando, trabalhamos em parceria com a comunidade Kalunga para que ela fortaleça seus sistemas de produção, se torne independente e possa se empoderar financeiramente e fortalecer o orgulho dos ingredientes nativos daquele local.