Césio 137: mulher recebe indenização por lavar farda do marido bombeiro 30 anos depois do acidente radiológico em Goiânia

Depois de exatos 33 anos, uma dona de casa de 71 anos, conseguiu indenização de R$ 20 mil por danos morais por comprovar que desenvolveu depressão grave após ser acometida por câncer de pele ao lavar a farda do marido, um bombeiro militar, enquanto ele trabalhava no combate ao acidente do Césio 137, em Goiânia, em setembro de 1987. A decisão é da Justiça Federal em Goiás.

 

Benvina Alves Amado é esposa do bombeiro Osvaldino Fidencio Amado, hoje aposentado, e que atuou na linha de frente contra o maior acidente radiológico da história do Brasil.

 

Em 2014, depois de diversas sessões de radioterapia, retirada de tecido do câncer e agravamento de sua depressão, a mulher recebeu diagnóstico de médico psiquiatra que atestou a impossibilidade dela de trabalhar, por causa do seu estado de saúde.

 

Para proferir a sentença, a Turma Recursal da Seção Judiciária da Justiça Federal em Goiânia considerou o resultado de perícia realizada pela Junta Médica Oficial do Centro de Assistência aos Radioacidentados (Cara). De acordo com a decisão da Justiça, não houve qualquer alerta da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) sobre o risco da exposição à radiação, e Benvina, sem saber, continuou a limpar a farda do bombeiro, sem nenhuma proteção.

 

 

Com informações O Globo

 

Imagem: Divulgação

 

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Pesquisa da UFG aponta tentativa de esquecer o acidente com Césio-137 em Goiânia

O acidente radiológico que ocorreu em Goiânia em setembro de 1987 é uma cicatriz na história da capital goiana. Apesar de ter sido o maior acidente radiológico do mundo, uma pesquisa realizada pela UFG constatou inúmeras formas de silenciamento que contribuem para suprimir a memória do goianiense sobre o acidente.

A pesquisadora Célia Helena Vasconcelos, com o estudo “Césio-137, trinta anos depois: silenciamento discursivo de uma tragédia”, investigou os fatos históricos que gradativamente vêm sendo retirados da narrativa goianiense. Realizado pelo Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística, da Faculdade de Letras, o estudo observou o silenciamento dos espaços mais importantes relacionados ao acidente, com a mudança de nomes das ruas e de órgãos públicos e a construção de prédios.

“Existe um silenciamento do fato histórico em si muito grande. Todos os espaços mais importantes, que fizeram parte diretamente, foram silenciados”, explicou Célia. Em sua pesquisa, são citadas mudanças em nomenclaturas de ruas, como a Rua 26-A, no Setor Aeroporto, que foi onde se iniciou a contaminação após a abertura da cápsula contendo Césio-137, e que hoje se chama Rua D. Francisca de Costa Cunha Dom Tita.

E também faz referência à construção do Centro de Convenções no lugar onde foi encontrado a cápsula de Césio-137, esquecida nos destroços da clínica abandonada pelo Instituto de Radiologia Goiana (IRG). Atualmente, a clínica não existe mais. “Não existe sequer uma plaquinha avisando que foi ali que tudo começou”, chama a atenção a pesquisadora.

Técnicos retiram lixo radioativo das áreas contaminadas nos setores Aeroporto e Ferroviário, no centro de Goiânia (Foto: Folhapress)

Célia Helena destacou ainda a mudança de nome do instituto responsável por atender e prestar auxílio às vítimas do acidente em Goiânia. A Superintendência Leide das Neves Ferreira (Suleide), criada em 1987, foi renomeada para Fundação Leide das Neves (Funleide) em 1999, e posteriormente desmembrada em duas unidades: o Centro de Assistência aos Radioacidentados (C.A.RA)  e o Centro de Excelência em Ensino, Pesquisa e Projetos Leide das Neves Ferreira (CEEPP-LNF), em 2011.

Segundo Célia, “Leide não é só um nome. Leide das Neves remete logo ao acidente. Ela é um ícone, um signo. Ao tirar esse nome, silencia-se não só parte de nossa história, mas também daquelas pessoas que ainda hoje buscam por ajuda ali, que já têm dificuldades de buscar por seus direitos. Nem sempre elas conseguem ter acesso e são ainda mais silenciadas”.

O silenciamento foi eficaz em Goiânia, conclui o estudo. Mesmo com a atenção da mídia nos marcos históricos, como nos “aniversários’’ do acidente, há pouco acesso às informações da época, sendo que os jovens sabem “muito pouco ou quase nada” sobre o fato histórico, avalia a pesquisadora.

Apesar das tentativas de manter o sigilo sobre o acidente, Célia ressalta que não há como apagar a história do que aconteceu. “O silêncio discursa, e os lugares que foram silenciados são significativos. Eles não estão emudecidos, apenas calados”.

Segundo ela, o discurso referente ao acidente com o Césio-137 pode resgatar sua voz a qualquer momento: com alaridos como foi o marco de 30 anos do acidente em 2017, ou timidamente como ocorreu em 2018, quando pouco se ouviu falar sobre o tema.

A pesquisa foi realizada através de um acervo que Célia Helena desenvolveu ao longo de sua investigação. Foram realizadas fotos atualizadas da própria autora, em visitas aos locais envolvidos diretamente no acidente, outras foram coletadas em arquivos do jornal O Popular, em relatórios da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), e informações do site da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), além de livros relatando os acontecimentos à época e em textos acadêmicos que foram produzidos sobre o Césio-137.

A dissertação de Célia pode ser lida no site da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da UFG.

Com informações de Augusto César Araújo, do Jornal UFG.