Artesã de Olhos D’água transforma palha em obra de arte
Mais conhecida como Fatinha Bastos, a artista produz sua própria matéria-prima cultivados em sua plantação e transforma em artesanato
Aproximadamente a 116 km da capital goiana, está presente um vilarejo simples, pitoresco e acolhedor. Considerado como um distrito de Alexânia (GO), Olhos D’Água preenche todos os requisitos como uma boa cidadezinha do interior, com sua igreja matriz erguida na praça principal e casas minimalistas e coloridas que servem de cenário para as histórias contadas.
Dentre elas, se destaca a trajetória de Fátima Dutra Bastos, uma mulher nascida e criada na cidade, que descobriu um talento nas mãos através de um olhar cheio de arte e simplicidade. Desde criança, Fatinha esteve envolvida com todo tipo de arte manual e começou a tomar gosto pelo ofício, ao presenciar o trabalho vinda de sua família de artesãos. O dom que ela foi adquirindo no artesanato, herdou de sua avó, Maria das Dores Pereira Dutra, e de sua mãe, Ana Pereira, que atuavam como tecelãs no distrito onde morava.
Com isso, Fátima começou a manusear pelo amarradio da palha na pamonha, que devia se parecer com uma boneca de cintura finíssima, e dali em diante, a intimidade com o material rústico se aperfeiçoava em suas mãos. Ao longo dos anos, Fatinha aprendeu a fazer esculturas de imagens sacras, bonecos, porta-guardanapos, mandalas, bailarinas, flores e palhaços. Mas devido a sua criação familiar e a presença da religiosidade, oratórios, santos, missas começaram a ocupar destaque na vida da menina que se tornou famosa artesã goiana.
Exemplares da obra de Fatinha. Foto: Divulgação
E diferente das demais, até com objetivo de realçar sua identidade no artesanato, Fátima produz sua própria matéria-prima: as palhas, vindas do milho e da banana que planta em sua propriedade. Consequentemente assim, ela precisou se tornar agricultora para se dedicar às palhas e fibras e desenvolver técnicas para extrair texturas exatas e precisas para a sua obra de arte, inclusive, obter sementes variadas de milho para que o item da matéria-prima vinhessem nascer com cores diferentes, mas ainda naturais.
Por causa de sua dedicação e aperfeiçoamento, a artesã participa de feiras e exposições pelo Brasil inteiro, onde seus santos, anjos, guirlandas, fadas e outros mimos são, de imediato, sucesso garantido. E hoje, se tornou referência no artesanato goiano e inspirações aos outros artistas e pequenos empreendedores de Olhos D’Água e região.
Com a profissão, Fatinha considera uma amante da sua própria arte, fazendo com que o seu artesanato caminhe lado a lado com as lutas e as vitórias de sua vida. “Além de força e coragem, a gente precisa ter uma coisa: acreditar em você mesmo. Só assim, a gente nunca perderá a nossa identidade”, afirma a artesã.
Agora, seu maior sonho é que o artesanato em Goiás possa ganhar a cada dia mais reconhecimento nacional. Ela acredita que a arte vinda da Região Centro-Oeste se iguala a tantas outras artes em questão de profissionalismo, beleza e história. E com um acréscimo, em seu ponto de vista, o artesanato “de raiz”, que vem de matéria-prima própria, está se perdendo e sendo esquecida por artesanatos já prontos, elaborados por matéria prima comprada em estabelecimentos. E apenas na região goiana, essa arte ainda resiste e precisa de forças e reconhecimento para se expandir, é o que se espera.
De Goiás para o Vaticano
No seu caso, Fátima Bastos teve um reconhecimento surpreendente. A artesã recebeu um pedido para que pudesse fazer um artesanato exclusivamente a uma das maiores autoridades religiosas no universo do catolicismo, o Papa Francisco. “Para mim, foi uma honra e foi um orgulho. Ao mesmo tempo que fiquei feliz com o pedido, me deu uma certa insegurança, porque me pediram para fazer uma artesanato de algo que o Papa nunca teve”, contou. O pedido veio através de dom Leonardo Steiner, que viu uma obra dela na sala de um desembargador de Brasília e pensou em dar o presente ao pontífice.
A imagem de Nossa Senhora do Menino Jesus, foi entregue ao Vaticano por representantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em outubro de 2018. Segundo ela, o presente reuniu simplicidade e sofisticação em meio às fibras de bananeira e palha de milho com outras matérias primas do cerrado, como flores secas, sementes e cabaças. “Eu fiz bem singelo, sem nenhum dourado do jeito que ele é, na pura palha mesmo, item principal da minha produção”, disse ela.
Fatinha afirma que este pedido especial se deve a crença de acreditar em seu próprio trabalho e que muitas coisas boas podem acontecer. “Não é acreditar que aquilo simplesmente seja uma palha ou um bairro, mas acreditar na transformação de que a junção desses dois elementos, quando bem feito, pode virar uma arte”.
Hoje, a artesã possui um estabelecimento Fatinha Fibras e Fios, em Alexânia (GO) e seu trabalho pode ser visto pelo instagram.
A entrega do presente. Foto: Divulgação