Hocus Pocus é o nome de um encantamento utilizado por mágicos do século XVII, que dizia mais ou menos assim: hocus pocus, tontus talontus, vade celerita jubes. E tinha a função de criar um ar de mistério em suas performances. A origem do termo na verdade permanece obscura. Mas no sentindo mais amplo, ela se aproxima do significado de “Abracadabra”.
E é nesse lance místico e inexplicável que a cena cultural de Goiânia ainda tem um dos sebos mais surpreendentes da capital, com um dos maiores acervos de histórias em quadrinhos do país, sem abrir mão do tradicional hábito de garimpar.
O nome Hocus Pocus trouxe sorte aos seus idealizadores e já são 25 anos de resistência. Começaram com quadrinhos. Dos mais velhos aos mangás. De Ton Mix a Naruto. Um bando de personagens passou a frequentar a loja. Cada um mais figura que o outro. Conheça a história desse lugar incrível!
Os 25 anos mágicos
O universo literário e das histórias em quadrinhos (HQ) sempre fizeram parte da vida dos irmãos Luiz Fafau (59) e Moacir Junior (53), naturais de Goiânia. Na segunda metade dos anos 80, mais precisamente entre 1986 e 1987, demonstraram interesse em trabalhar com cultura alternativa, embora se dedicavam ao mercado da publicidade e do comércio.
Na época, tanto Luiz quanto Junior já mexiam com fanzines, revistinha xerocada de poesia, tinham muitos contatos com fanzineiros do Brasil inteiro e de quem fazia jornais alternativos. Além disso, eram frequentadores assíduos de tradicionais sebos da capital, quando a prática de garimpar e colecionar ainda era um grande fascínio.
A ideia de montar o próprio sebo não tardou. No início dos anos 90, Junior e Luiz abriram mão de seus empregos, juntaram as economias e investiram em Livros e Vinis. Abriram uma banca na antiga feira hippie, quando ainda era na Av. Goiás, que se chamava Banca Nacional de Literatura Independente. Depois a ideia teve endereço fixo: Avenida Araguaia, no Centro. Era a realização de um sonho para 2 jovens colecionadores que, na raça e na coragem, criaram em Fevereiro de 1992, um dos mais importantes sebos de Goiânia.
“Abrimos longe do eixo dos sebos tradicionais da capital, que ficavam na rua 4 e na Av. Goiás, pra não parecer que estávamos pegando carona na onda. Tivemos um início bem difícil, por falta de material, falta de dinheiro, mas resistimos e criamos nossa própria clientela”, conta Moacir Junior sobre como tudo começou.
Antes de abrir, os irmãos tinham a velha dúvida de que nome colocar na loja. Eles queriam um nome diferenciado, um nome que não soasse muito óbvio, algo que pudesse se relacionar com espírito cultural dos dois. O hábito de escutar rock progressivo trouxe a inspiração que precisavam. E ao ouvirem “Hocus Pocus” da banda Focus não tiveram dúvida. Era aquela sonoridade que procuravam!
A arte de garimpar
A Hocus Pocus, no início, não tinha móveis. Os HQs, discos e outros produtos eram expostos no chão mesmo. A popularidade veio com a galera mais ligada a cultura pop, alternativa, um público rock’n’roll, que começou a frequentar a loja e fazer shows. “Pegamos o bonde da era underground”, lembra Junior sobre a transição dos anos 90 para 2000, quando Goiânia construía a cena do rock independente.
O hábito de promover encontros entre bandas na loja atraiu gente nova, novos clientes e, de certa forma, criou-se uma identidade Hocus Pocus. Naquela época, sebo era mais popular, muito mais do que é hoje.
O sebo ainda tenta preservar essa coisa do autoatendimento. A pessoa entra e circula onde ela quiser. E decide se quer ou não levar. E se tiver uma dúvida, é só perguntar. “Não fica ninguém atrás enchendo o saco. E isso é uma coisa que a gente não quer perder porque eu acho que faz parte da filosofia do sebo, a coisa do garimpar”, explica Luiz sobre essa coisa da identidade da loja.
Para os irmãos, a arte de garimpar é praticar a experiência de ir até a loja sem pressa para conhecer, pois mesmo que não ache o que procura, você pode se deparar com outra que nem estava procurando, mas que é tão interessante quanto. Hocus Pocus hoje é a maior loja com acervo de Histórias em Quadrinhos do centro-oeste. Sem sombra de dúvidas, uma referência.
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Na Hocus Pocus é possível encontrar vastas opções da literatura mundial, quadrinhos contemporâneos e oitentistas, além de camisetas, chaveiros, objetos de decoração e do universo geek. E o preço é digno dos tradicionais sebos do mundo: 95% do acervo da Hocus Pocus custam apenas R$ 10. Para se ter uma ideia, com 10 reais dá para levar até 10 gibis contemporâneos, por exemplo. A loja tem muitas revisitinhas dos anos 80, como Homem Aranha.
A experiência Hocus Pocus já rendeu situações surpreendentes, ainda mais nessa “era google”. O proprietário Junior conta que certa vez um jovem cliente entrou na loja e ficou impressionado ao tocar pela primeira vez em um mangá do Naruto, pois já tinha lido todas as 75 edições daquela revistinha apenas de forma online. Se por um lado a internet democratizou, por outro se despediu da fascinante arte de garimpar.
O segredo da resistência
Por seus 25 anos de resistência, sem perder a essência de sebo, podemos considerar a Hocus Pocus um patrimônio histórico e cultural de Goiânia, não é mesmo? A loja atravessou gerações. Pais que frequentavam o sebo na adolescência, hoje levam filhos e os filhos levam os amigos. Assim, o vínculo tem se mantido ao longo dos anos.
Mas qual o segredo de resistir tanto tempo, sobretudo em um cenário desfavorável para essa cultura de sebos? Os irmão Hocus Pocus acreditam no poder do acesso à leitura para transformar o mundo, e por isso ainda levam o projeto adiante.
“Existe uma falácia quando se diz que o brasileiro não gosta de ler. Acho que o brasileiro não tem oportunidade de ler. Livro é muito caro. E o sebo vem pra democratizar um pouco, dar esse acesso. E a gente não almeja lucros. Não dá para depender desse poder instituído como parâmetro para melhoria da vida das pessoas. Mas na medida que você lê, que toma senso crítico das coisas, acho que você tem mais condições de ampliar as portas da percepção e mudar algo. Então leia que o Brasil melhora, esse é nosso mantra para seguir em frente”, diz Luiz.
Conheça mais da Hocus Pocus pelas lentes do fotógrafo @MarcosAleotti