Entenda a proposta de descriminalização da maconha no Brasil

A recente deliberação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) do Senado Federal, que aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apelidada de “PEC das Drogas” (45/2023), insere-se como um capítulo significativo no debate nacional sobre políticas de drogas. Essa PEC, que agora aguarda avaliação no plenário do Senado, requer o apoio de três quintos dos senadores em dois turnos, ou seja, 49 votos favoráveis, antes de sua remessa à Câmara dos Deputados. O texto em discussão sugere uma mudança constitucional para descriminalizar a posse e o porte de cannabis para uso pessoal, uma medida que tem despertado amplo debate entre juristas, legisladores e a sociedade.

A legislação vigente, especificamente a Lei de Drogas (11.343/2006), define os crimes associados à posse e ao consumo de substâncias psicoativas, mas não estabelece uma distinção clara entre a posse para uso pessoal e para o tráfico. Nesse contexto, Víctor Quintiere, professor de Direito Penal do Centro Universitário de Brasília (CEUB), oferece uma análise detalhada sobre as implicações dessa PEC. “É crucial que a legislação brasileira diferencie de forma inequívoca o usuário do traficante de drogas”, afirma Quintiere, destacando a necessidade de salvaguardar os direitos individuais e promover a justiça social.

Quintiere ressalta a importância de estabelecer critérios objetivos na legislação, para evitar a aplicação desigual da lei, que frequentemente repercute de forma desproporcional em indivíduos de comunidades marginalizadas. “A ausência de parâmetros claros pode levar à criminalização indevida de usuários, perpetuando ciclos de injustiça e desigualdade”, explica ele, evidenciando como as lacunas legais podem agravar as disparidades sociais, especialmente em termos de raça e classe.

Além das implicações legais, o especialista aborda os possíveis impactos sociais da mudança. “A descriminalização da posse de cannabis para uso pessoal poderia reduzir significativamente o número de processos judiciais, desafogando o sistema penal e permitindo que as autoridades concentrem seus esforços no combate a crimes mais graves”, observa Quintiere. Ele argumenta que essa medida não só racionalizaria os recursos judiciários e policiais, mas também alinharia o Brasil a uma tendência global de reformas nas políticas de drogas, focadas em saúde pública e direitos humanos.

O especialista também adverte sobre os desafios práticos na implementação de critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes, enfatizando que “as organizações criminosas estão sempre buscando meios de contornar a legislação, o que exige do Estado uma resposta sofisticada e adaptativa”. Ele ressalta a importância de uma abordagem equilibrada que proteja os cidadãos enquanto desmantela redes de tráfico.

A aguardada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o Recurso Extraordinário 635.659 é vista por Quintiere como um marco potencial, podendo transformar profundamente a abordagem penal do Brasil em relação às drogas. “Se o STF decidir pela descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal, estaremos diante de uma evolução significativa no direito penal brasileiro, que passaria a enfatizar o tratamento e a reinserção social em detrimento da penalização”, conclui o jurista, antecipando um cenário onde o foco se desloca do castigo para a prevenção e cuidado.

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Alexandre de Moraes vota a favor da descriminalização da maconha

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou, nesta quarta-feira (2), para não ser considerado mais crime o porte de maconha para consumo pessoal.

Pelo voto do ministro, deve ser considerado usuário quem portar entre 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de cannabis. Além disso, a Justiça também poderá avaliar as circunstâncias de cada caso para verificar eventual situação que possa configurar tráfico de drogas. 

O julgamento sobre o porte de drogas foi retomado nesta tarde com o voto do ministro, que, em 2015, pediu vista (mais tempo para analisar o caso) e suspendeu o julgamento.  A sessão continua para a tomada dos votos dos demais ministros. 

O Supremo julga a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (Lei 11.343/2006). Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.

A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvos de inquérito policial e processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas. 

Moraes avaliou que a lei aumentou o número de presos por tráfico de drogas e gerou “um exército para as facções criminosas”. O ministro informou que dados oficiais mostram que 25% dos presos no Brasil (201 mil) respondem por tráfico de drogas.

“Isso gerou o fortalecimento das facções no Brasil. A aplicação da lei gerou aumento do poder das facções no Brasil. Aquele que antes era tipificado como usuário, quando despenalizou, o sistema de persecução penal não concordou com a lei e acabou transformando os usuários em pequenos traficantes. O pequeno traficante, com a nova lei, tinha uma pena alta e foi para sistema penitenciário. Jovem, primário, sem oferecer periculosidade à sociedade, foi capturado pelas organizações criminosas”, comentou.

O ministro também defendeu a definição de limites de quantidade de drogas para diferenciar usuários e traficantes. 

“Hoje, o tráfico de drogas em regiões abastadas das grandes cidades do país é feito por delivery. Há aplicativos que a pessoa chama e, assim como o IFood leva comida, leva a droga”, completou.

Além da quantidade, Moraes também disse que devem ser levadas em conta as circunstâncias das apreensões para não permitir discriminação entre classes sociais. 

“Quanto mais velho e mais instrução, mais difícil ser caracterizado como traficante”, afirmou.

 

*Agência Brasil

 

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