Em 17 de janeiro de 1903, nasceu Benedita Cipriano Gomes na Fazenda Mozondó, a 40 km de Pirenópolis. Quando Dica, como era chamada, tinha 7 anos de idade, caiu enferma com a perda total de seus sinais vitais. Já sem esperanças, os familiares decidiram preparar o corpo para o enterro, entretanto durante o banho do defunto, notaram que Dica suava frio e muito. Com receio de enterrá-la, mantiveram o velório e após três dias, Dica ressurgiu viva da morte iminente. A partir daqui, a jovem menina revolucionou a região onde morava.
A história da ressurreição espalhou-se de tal maneira que as pessoas diziam ser um milagre. Dezenas de pessoas começaram a migrar para a fazenda de Dica, pedindo benção e graças. Em pouco tempo, já mocinha, Dica comandava legiões de adoradores, que a obedeciam e possuíam uma fiel devoção. A fama foi tão grande, que em volta da sua casa formou-se um povoado.
Dica instituiu um sistema na região, com o uso comum do solo e aboliu o uso genérico do dinheiro. Ela pregava a igualdade e a distribuição de terras. A conhecida Santa Dica, fazia milagres e curas, em seu povoado ela fez um hospital e até uma escola. Para suas curas milagrosas recebia os espíritos do Dr. Fritz, da Princesa Silveira, de um Comandante e de alguns conhecidos que já morreram.
Com toda politica e estilo de vida, Santa Dica conseguiu reunir um exército de 1.500 homens e 4.000 eleitores. Toda sua influência incomodava os coronéis da região, pois Dica reproduzia a história de Canudos, já que recrutava os trabalhadores e tinha poder sobre a população.
A fama da curandeira espalhou-se, o que fazia atrair mais fiéis. Ao mesmo tempo, alguns jornais goianos começaram a denunciá-la, pedindo providências do governo para conter os fanáticos. Como Dica tinha uma vertente espiritual, a igreja local também contestava a tal Santa.
Chegou em um ponto em que as autoridades de Pirenópolis com a polícia municipal se declaram impotentes contra os chamados diqueiros. Assim, em 1925, o Governo Estadual mandou uma tropa para o povoado, a fim de prender Dica e massacrar a região. De acordo com as histórias que permeiam a cidade, naquele dia, as balas iam de encontro à Dica, enrolavam em seus cabelos, ou batiam em seu corpo, e caiam pelo chão, tanto que houve apenas três mortes.
Durante a rebelião, Dica ordenou a todos que atravessassem o rio do Peixe, que ela nomeou como Jordão, que passa por trás de sua casa, para fugir do massacre. Mas a curandeira, foi resgatada e acabou sendo presa. Dizem nas conversas orais que Santa Dica neste episódio amarrou uma sucuri no rio para que os soldados não pudessem atravessar. Até hoje a população do povoado acredita e não nada naquele local com medo da sucuri da Santa Dica.
A prisão de Dica não durou muito tempo. Pressionados pela população e sem provas, o governo acabou cedendo e liberou-a. A partir daí, Dica entrou na política, e ela estabeleceu em quem seus seguidores votavam. Além disso, ela formou um exército e foi patenteada a cabo do exército brasileiro. A Santa comandava tropa de 400 homens, que ficaram sendo conhecidos como “pés com palha e pés sem palha”, pelo motivo de que sendo a tropa integrada por analfabetos, eles confundiam esquerda com direita. Dica então usou a estratégia de amarrar um pedaço de palha em um dos pés para poder ensiná-los a marchar.
Em 1928, Dica casou com o jornalista carioca Mário Mendes, que foi eleito prefeito de Pirenópolis em 1934, e tiveram cinco filhos e adotaram mais dois. O exército dos “pés com palha e pés sem palha” participou da Revolução Constitucionalista de 1932 indo guerrear, com 150 homens, em São Paulo onde voltou sem nenhuma baixa, resultado atribuído aos milagres da santa.
Um episódio famoso foi quando seu exército precisava passar pela ponte de Jaraguá, em São Paulo. Esta estava minada e Dica mandou que um de seus soldados a atravessasse de olhos vendados. O soldado atravessou e nenhuma bomba explodiu. E assim foi com a tropa toda vendada, um a um atravessou a ponte.
Muitos milagres foram realizados por ela. Histórias populares contam que ela andava sobre as águas do Rio Jordão, faziam muitas curas milagrosas e sua tropa era protegida milagrosamente, tanto que quando as balas atingiam seus soldados esta caía no chão. Em um conversa com o advogado aposentado, Inácio Fernandes, ele informou que passou a adolescência na escola do povoado da Santa Dica e era íntimo da família.
No início da década de 60, Inácio e sua família se mudaram para uma fazenda próxima ao povoado da Santa, lá o rapaz se tornou amigo de Raquel, neta da Santa Dica. “A Santa Dica tratava todo mundo muito bem, as pessoas pediam conselhos a ela, ajuda e súplicas. Ela fazia uma romaria de bênçãos, com suas ervas, plantas. Ela até me batizou neste ritual, porque era muito próxima a minha mãe”, comentou o aposentado.
Ela possuía capacidades mediúnicas e passavam mensagens de pessoas que já morreram para os parentes. Na conversa, o aposentado até comentou que ela falava muito com seu falecido filho, Pedro, que foi morto em forma de vingança contra ela. Pedro era pai de Raquel, que possuía muita proximidade com o senhor Inácio.
Inácio ainda explicou sobre o seu hospital, que possuía inúmeros pacientes e enfermos, todos tratados com o conhecimento medicinal de Santa Dica. “A Santa Dica tinha uma intuição muito forte. Certa vez, ela estava em um casamento com minha mãe e teve que ir embora, porque estava com um pressentimento ruim”, comentou o advogado.
Santa Dica morreu em 9 de novembro de 1970 em Goiânia e foi sepultada, conforme seu desejo, debaixo de uma gameleira em frente a sua casa no povoado. Legiões de seguidores cortejaram e velaram durante três dias o corpo da Santa, demonstrando o amor e devoção cativados pela moça da Fazenda Mozondó, guerreira e santa. Por mais que sua história tenha ganhado grandes dimensões, em reportagens, livros e estudos, Santa Dica nunca foi reconhecida pelo Vaticano, apenas pela opinião popular.
O povoado hoje se chama Lagolândia e é um município de Pirenópolis, com algumas centenas de habitantes e algumas dezenas de casas, que rodeiam uma bela praça onde está enterrada a Santa Dica, que até hoje recebe homenagens e orações. Em sua antiga casa descendentes mantém um visitado altar dedicado a Santa e todo o povoado vive à sua memória.
Imagens: Reproduzidas do site da Prefeitura de Pirenópolis