Mulheres de Goiás: conheça a história de Damiana da Cunha

Damiana da Cunha nasceu em 1779. Neta do cacique caiapó Angraí-Oxá, atuou como importante personalidade política na época do Brasil Colonial. Sem nome indígena conhecido, Damiana trabalhou como conciliadora cultural entre diferentes povos indígenas e portugueses. Logo, a carreira de Damiana está diretamente associada à história de aldeamento desses povos. 

Na época, a situação decadente da mineração tornou-se um grande problema aos líderes da província. Os povos caiapós investiam contra os atos mineradores dos portugueses na região a fim de fazer com que eles saíssem das terras. Já os portugueses, tentavam capturar esses indígenas para que se tornassem escravos.

Depois de muitas batalhas perdidas contra os caiapós, o Conde de Lumiares enviou uma expedição à Goiás. O objetivo era cessar essas batalhas e “presentear” os caiapós visando formar uma ‘amizade’. Os portugueses queriam torná-los “civilizados” e “úteis”. Dessa forma, aqueles povos poderiam auxiliar diretamente com a prosperidade da capitania.

Aquela proposta foi vista como a melhor saída por muitos caiapós que já não queriam mais viver naquela situação de caos. Para a autora Mary Karasch, firmar acordo com os agentes coloniais dava aos indígenas a chance de aprender a manusear as armas e voltá-las contra eles. Pouco a pouco, esses indígenas chegaram à capital de Goiás, Vila Boa. Entre esses indígenas estava Damiana que desembarcou em solo goiano acompanhada de seu avô em 1781. 

Assim como as outras crianças, Damiana foi batizada e recebeu nome cristão e seu próprio sobrenome. Como neta do cacique, Damiana da Cunha foi apadrinhada pelo governador Conde de Lumiares. Por ser ainda tão nova, Damiana foi levada para a casa do governador onde seria criada e servida de educação cultural e religiosa a partir das crenças do período colonial. 

A garota se tornou fluente em português e nas doutrinas da igreja católica. Permaneceu na casa de seu padrinho até 1783, quando este perdeu o governo da capitania. A criança Damiana já estava acostumada àqueles hábitos de conversão. Sua criação foi marcada por objetos, conceitos, práticas e cristandade de uma terra colonizada. 

Por estar em uma posição de privilégios, Damiana da Cunha foi insentada das atividades às quais eram propostos os indígenas comuns. Por sua fluência nos códigos políticos e culturais, a jovem mulher foi colocada para trabalhar no intermédio entre a política de aldeamento dos portugueses colonizadores e os caiapós. 

Com aproximadamente 14 anos de idade, Damiana se casou pela primeira vez com um militar. O casamento entre ela e o sargento José Luiz da Costa era visto pelo rapaz como uma forma de conseguir acesso privilegiado aos indígenas da aldeia e iniciar relações naquela sociedade a partir da influência de Damiana.

Em 1822, na época de seu segundo casamento, a neta do cacique já havia se consolidado como importante figura política no estado de Goiás. Damiana era vista como “mestra, missionária, mediadora de conflitos, mulher de fronteira e cabeça de expedições”. Segundo estudos de Joaquim Norberto, os caiapós ‘civilizados’ a escutavam e tratavam como soberana, a neta do cacique que deveria ser louvada pela posteridade como grande mulher missionária.

No findar de 1829, Damiana foi enviada para intervir nas lutas que se instalaram no percurso entre Goiás e Mato Grosso. A atividade “missionária” da líder caiapó cessou toda e qualquer hostilidade que existira naquela área. Em suas expedições, a “cabeça de expedições” conseguia exercer a atividade nas quais muitos bandeirantes falhavam.

 

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Pauta desenvolvida pela estagiária de jornalismo Julia Macedo com a supervisão da jornalista Fernanda Cappellesso.

 

 

Conheça o Caminho de Goiás, a estrada que separava Vila Boa de Goiás do Rio de Janeiro

Há pouco, tivemos a notícia de que, em março deste ano, será inaugurado o Caminho de Cora Coralina, uma trilha que percorre 282 km, desde Corumbá de Goiás, passando por Pirenópolis, Jaraguá, Itaguari, Itaberaí e terminando na antiga Vila Boa de Goiás.

Muito antes desse caminho ser traçado, pelos idos do século 18, o Caminho de Goyaz, também conhecido como Estrada do Anhanguera, foi estabelecido como uma ramificação das Estradas Reais [Caminho Real do Sertão], por conta da expansão da mineração, especialmente de ouro, pelo Brasil adentro. O início de tal desbravamento, no que viria a se tornar a capitania de Goiás em 1748, pelo sertão da região.

Para se ter ideia da importância desse caminho/estrada, no ano de 1720, a Coroa Portuguesa declarou pena de morte para aqueles que abrissem qualquer outro caminho entre Minas Gerais e Goiás. Essas determinações só foram retiradas em 1733 e 1758.

Começando por Vila Boa de Goiás, uma rede de estradas irradiava em 5 direções distintas.

Sendo que o primeiro: seguia a direção sul-sudeste, passando por Mogi e fazendo ligação com São Paulo, seno o primeiro caminho oficial da região, chamado Caminho de Goyazes.

A segunda: para leste depois para o sul, passando por Paracatu (MG) até a capitania do Rio de Janeiro (RJ), esse caminho era conhecido como Picada de Goiás.

A terceira: indo em direção oeste, passando por Cuiabá até Vila Bela, na capitania de Mato Grosso, conhecida como Estrada do Cuyabá.

O quarto: levava a todos os arraiais do norte de Goiás, chamado de Estrada do Norte.

Já o quinto: era a Estrada da Bahia ou Caminho dos Currais, em direção leste e depois norte, passando por Couros e São Domingos até Salvador.

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Mappa dos Sertões que se comprehendem de Mar a Mar entre as capitanias de S. Paulo, Goyazes, Cuyabá, Mato-grosso, e Pará (1766-1775). Reprodução da internet.

CAMINHO DE GOYAZES

A estrada iniciava em São Paulo e Santana de Parnaíba, indo em direção a Jundiaí. De lá, partia em direção ao norte, cruzando os rios Atibaia, Jaguari, Mogi, Pardo, Sapucaí e Gravataí (no atual estado de São Paulo) das Velhas, Paranaíba, Corumbá, Meia Ponte e Claro. Depois de passar pelo Rio Grande, passava também pela atual região de Uberaba, cruzando o Triângulo Mineiro e atual sul goiano, até chegar na terra dos índios Goiazes. Com a mudança da corte para o Rio de Janeiro, esse caminho acabou se prolongando. Vale lembrar que, naquela época, as regiões que hoje compreendem os estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás possuem origens convergentes.

Ao longo de todo o caminho, haviam pequenas ocupações, com a propagação da descoberta de ouro em terras atualmente goianas, essas ocupações começaram a crescer cada vez mais, através da concessão das sesmarias e legalização de antigas ocupações. Além disso, em primeiro momento, também começou a ser ocupado por pouso que servia aos transeuntes que iam e voltavam das minas em Goiás.

De acordo com o historiador Nestor Goulart Reis Filho, em O caminho do Anhanguera:

De início as mercadorias eram transportadas por carregadores indígenas, como seria o costume nos caminhos entre São Paulo e São Vicente e entre Curitiba e Paranaguá. (…) Para atender às novas demandas, o tráfego irregular dos carregadores indígenas foi substituído pela circulação de tropas de muares, organizadas em comboios de comerciantes. As trilhas foram melhoradas, os percursos simplificados. Onde foi possível, estabeleceram-se propriedades rurais para abastecimento e abrigo de viajantes. Era, portanto, uma linha de comércio que do Rio de Janeiro e São Vicente se ligava a São Paulo, Santana de Parnaíba e Jundiaí e desta aos sertões de Goiás.

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Rota do Caminho de Goyazes, tracejada em cor vermelha, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

PICADA DE GOYAZ

Quando em 1772, José de Almeida Vasconcellos Soveral e Carvalho, também conhecido como Barão de Mossâmedes, veio tomar posse como governador da Capitania de Goiás, saiu da cidade do Rio de Janeiro até Vila Boa. Percorrendo o caminho de Minas [Picada de Goiás], chegou a Capitania de Goiás por Arrependidos, entre os rios Preto e São Marcos. Partindo de Arrependidos, foi para Contagem de São Bartolomeu, em busca de Luziânia. Desta foi em direção a Pirenópolis, de lá para o rio Ponte Alta, no sudoeste do Distrito Federal, e então chegando a Santo Antônio dos Montes Claros. Logo depois, buscando Pirenópolis a oeste, seguiu o rio dos Macacos, rio Areias e rio Corumbá até chegar em Meia Ponte, a caminho de Vila Boa.

A mando do Barão de Mossâmedes, Thomas de Souza criou a Carta de Goiás [ou Mapa dos Julgados], no qual representava as fronteiras da Capitania de Goiás, dividindo-a em 13 Jugados; o relevo e a rede hidrográfica da região; a capital; os arraiais com freguesia, sem freguesia, aldeias e estradas que cruzavam a região. Na Carta estavam representados três caminhos que se encontravam em Meia Ponte, lá unificados seguiam até Vila Boa de Goiás e, depois, até Cuiabá [Estrada do Cuyabá].

  • A primeira, mais ao sul, iniciava em São Paulo, passando por Santa Cruz, Bonfim até chegar em Meia Ponte [Caminho de Goyazes].
  • A segunda partia do Rio de Janeiro, passava por Paracatu, Arrependidos, Santa Luzia, Ponte Alta, ao sudoeste do Distrito Federal, Santo Antônio dos Montes Caros, Macacos, Corumbá e Meia Ponte [Picada de Goiás].
  • A terceira vinha da Bahia, indo até o atual Distrito Federal, pelo extremo oeste [Couros], cortava a região da Vila do Mestre d’Armas, passado por Sobradinho, São João das Três Barras, Chapada da Contagem até chegar em Meia Ponte [Caminho dos Currais e da Bahia].

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Rota da Picada de Goiás, tracejada em cor azul escuro, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

ESTRADA DO CUYABÁ

As Capitanias de Goiás e Mato Grosso foram criadas simultaneamente, não à toa, possuem similaridades e entrelaçamentos de arquitetura política e administrativa, demonstrando um mesmo fim: as intenções de Lisboa em efetivar suas conquistas territoriais. Para Fernando Lobo Lemes:

Num primeiro momento, as minas de Goiás oxigenam a região do Mato Grosso, imprimindo novo alento às minas do Cuiabá, ao servir de caminho terrestre alternativo à rota fluvial, única ligação existente com a cidade de São Paulo. O trajeto das monções, como eram conhecidas as navegações fluviais em direção ao oeste da América, era realizado através de rios que faziam a ligação de São Paulo a Cuiabá, com inúmeros perigos e dificuldades, numa viagem com duração média de cinco a seis meses. Esse percurso foi substituído pelo caminho terrestre aberto entre Vila Boa de Goiás e Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá.

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Rota da Estrada do Cuyabá, tracejada em cor laranja, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

ESTRADA DO NORTE

Ligava Vila de Santos (SP) a Cuiabá (MT), e a rota terrestre que, subindo ao norte, chegava a Descoberto do Carmo, onde se encontravam o Caminho de Goyazes, Estrada do Cuyabá e Estrada do Norte.

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Rota da Estrada do Norte, tracejada em cor azul claro no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

CAMINHO DOS CURRAIS E BAHIA

Esse caminho começava na Estrada do Cuyabá, em direção a Vila Bela da Santíssima Trindade, assim, cortando a América Portuguesa. Para o historiador Paulo Bertran:

A estrada de Salvador vinha pelo sertão baiano e dava ao viajante do Século XVIII a escolha de atravessar o rio São Francisco ou em Carinhanha-BA ou por São Romão – MG. No primeiro caso entrava no Planalto pelo registro de Santa Maria, no segundo, pela Lagoa Feia, unindo-se ambas em Formosa [Couros]. Dali prosseguia para a contagem de São João, Meia Ponte, Vila Boa de Goiás, Cuiabá e Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital do Mato Grosso, aos pés do rio Guaporé, divisando a fronteira boliviana, a mais ocidental povoação portuguesa a confrontar os domínios de Espanha no Século XVIII. Estendia-se por cerca de 2,8 mil quilômetros e, enquanto jorrou ouro em Goiás e Mato Grosso, constitui-se na principal estrada mercantil do país por léguas transpostas.

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Rota do Caminho dos currais e Bahia, tracejada em cor marrom, no mapa de 1766-1775, georreferenciado. Reprodução da internet.

Informações retiradas de:

Artigo: O Caminho de Goiás e as ligações comerciais entre o Nordeste Paulista, Triângulo Mineiro e Sul de Goiás, de Paulo Roberto de Oliveira

Artigo: Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII, de Lenora de Castro Barbo e Rômulo José da Costa Ribeiro 

Livro: Viagem pela Estrada Real dos Goyazes, de Deusdedith Rocha Junior, Wilson Vieira Júnior e Rafael Carvalho Cardoso.

Imagens retiradas de: Os itinerários da rede de caminhos de Vila Boa de Goiás no século XVIII, de Lenora de Castro Barbo e Rômulo José da Costa Ribeiro / reprodução da internet

Capa: Pousadinhas / reprodução da internet