Juliana Cristina é uma goiana corajosa, determinada e com um coração extremamente bondoso que resolveu contar ao Curta Mais a história de sua conturbada vida amorosa. Da adolescência à vida adulta, Juliana teve muitas desavenças, mas conseguiu superar cada uma com fé em um futuro mais feliz e promissor.
Aos 19 anos de idade, Juliana teve a sua primeira gravidez e acabou enfrentando a dificuldade de ser mãe solteira. Infelizmente, o bebê nasceu com má formação e foi a óbito após 2 meses de vida. Em meio a tamanha tristeza, Juliana teve que lidar com a aparição de um nódulo na área da cicatriz da cesárea que precisava de intervenção cirúrgica. Por coincidência do destino, durante esse procedimento, ela conheceu o João, médico anestesista que seria seu futuro marido.
“O João foi o meu segundo amor. Foi um amor à primeira vista, na verdade. A gente começou a namorar em janeiro de 2000 e decidimos nos casar.”
Durante a correria para preparar o casamento, Juliana descobriu que estava grávida novamente. Contudo, pouco tempo depois, ela sofreu um aborto espontâneo. Esse acontecimento fez com que descobrisse que possui uma leve endometriose, a doença foi a causadora da perda do bebê e dificultou futuras gestações, o casal viveu três anos sem conseguir ter filhos.
Até que aos 27 anos, como um milagre, Juliana engravidou de João, nomeado em homenagem ao pai. Para evitar a possibilidade de mais uma surpresa negativa, ela passou 9 meses em repouso total aguardando o seu tão esperado bebê. Finalmente, depois de tantas tentativas, Ju e seu amado conseguiram alcançar o sonho de construir sua família.
“Se você quiser ter mais filhos, você vai precisar ter um atrás do outro, sem tomar medicação para esperar e de preferência o mais rápido possível, porque senão a endometriose vai estar lá de novo, você não consegue engravidar” alertou o médico de Juliana.
Com a notícia, ela se programou e ficou grávida depois de um ano e meio, o seu segundo filho foi batizado com o nome de José Calixto. Três anos depois, João, o marido de Juliana, passou mal de repente e devido a algumas comorbidades, como a obesidade, infelizmente veio a óbito em 2009.
“Foi uma situação difícil e constrangedora, porque os meninos eram pequenos, um tinha quatro anos e meio, o outro tinha três. O meu primogênito sempre perguntava sobre o seu pai […], o que tornou a situação ainda mais complicada.”
Depois de algum tempo, ainda em um momento de fragilidade, Juliana se envolveu com um antigo conhecido que a lembrava muito de seu falecido esposo, a fisionomia, o cheiro. Essa relação acabou se desenvolvendo em um casamento conturbado que logo chegou ao fim.
Após o término e tamanhas dificuldades enfrentadas, Juliana deixou o seu coração fechado para outros amores por muito tempo. Isso ocasionou o foco total na criação de seus filhos e, consequentemente, ela acabou esquecendo de se priorizar. Como sabia que esse cenário não era saudável para ela, nem para os filhos, Ju buscou ajuda terapêutica para ajudá-la a resolver suas questões internas.
Com o devido auxílio psicológico, para si e seus filhos, após tantas perdas e dores, ela finalmente entendeu a importância de se autoconhecer e decidiu focar em curar seu coração antes de tentar qualquer outro relacionamento. Nessa busca por autoconhecimento, Ju decidiu fazer uma viagem sem seus filhos, acompanhada por uma prima e duas amigas. O que fez ela descobrir o quanto adora viajar e conhecer novos lugares e pessoas, viver novas aventuras. Nessa viagem ela se sentiu livre como há muito tempo não sentia e redescobriu a importância de olhar para si.
“Para mim isso foi muito libertador, foi como abrir uma história diferente sobre a Juliana. Então eu pude escolher meu próprio prato, pude escolher minha própria roupa da forma que eu queria, comprar o que eu quisesse, então na verdade eu estava vivendo a verdadeira liberdade, né?”
Tamanha empolgação foi combustível para sua próxima jornada. Ao conseguir enxergar novos horizontes e redescobrir a empolgação em viver coisas diferentes, Juliana optou por fazer uma segunda graduação. Escolheu atuar na área da saúde para poder ajudar outras pessoas e começar o curso de Fisioterapia na PUC foi muito revelador para o seu eu.
Quando estava no 5º período, Juliana decidiu fazer uma nova viagem, acompanhada de sua amiga Karla, desta vez para o exterior. Ela queria conhecer toda a América Latina e, por coincidência, encontrou um banner de uma empresa de turismo que fazia a viagem de seus sonhos, passando por várias cidades. Posteriormente, o coração encantador de Juliana fez com que se tornasse grande amiga de Carol e Willer, donos dessa agência de viagem.
A aventura no exterior aconteceu em janeiro de 2017, aos seus 38 anos. Entre os vários destinos que Juliana e Karla conheceram e os perrengues que passaram durante a travessia, o ponto alto da experiência foi quando estavam na Bolívia. Na cidade de Santa Cruz de La Sierra conheceram a Catedral de São Lorenzo e Ju viveu um momento único nesse local. Ela já sentia uma necessidade de mudança em seu eu e decidiu fazer uma oração, pedindo ajuda para se desprender de todas as mágoas do passado.
Elas visitaram muitos destinos, aprenderam bastante sobre a cultura local e sobre si mesmas durante o período da viagem. Quando estavam em uma pequena cidade da Bolívia, San Juan de Yapacaní, o guia contou ao grupo um mito popular que ilustrava a ave condor como o ponto de encontro entre o plano espiritual e o terrestre.
O Condor é uma ave que possui de 100 – 130 cm quando adulto e chega a pesar até 15kg (foto:reprodução/ internet)
Quando Juliana escutou essa história, ela se apegou a ela e colocou em seu coração que queria ver a ave. Exatamente no dia seguinte, em uma passagem pelo Deserto Salvador Dalí, Ju levou a sua câmera fotográfica e, por destino, ela encontrou um condor e tirou uma foto do momento.
“Isso foi meio inusitado, porque a lenda que o guia tinha contado para mim um dia anterior aconteceu comigo, do jeito que eu tinha pedido e não foi só comigo, eu mostrei o condor para a Karla… e ela tinha tirado uma foto minha tirando foto da ave.”
Foto que Karla tirou de Juliana capturando a foto do Condor (foto:reprodução/Karla)
Ao voltar para o hotel, enquanto estavam descarregando as fotos que haviam tirado, Ju se deu conta de que dia era. Ela havia perdido a noção do tempo em meio a toda a empolgação da viagem, mas agora sabia que esse dia tão especial, o que tinha realizado o desejo de ver o condor, era 23 de janeiro, o aniversário de morte de seu ex-marido. Impactada com a descoberta, ela desejou rever as fotos dessa “ave espiritual”, mas não conseguiu encontrá-la em nenhum lugar. A foto que Karla tirou de Juliana com a ave também desapareceu do cartão de memória da câmera.
“No outro dia de manhã eu fui contar ao guia o que tinha acontecido, que o Condor tinha sobrevoado a gente e tinha descido da montanha, então eu tirei a foto, mas ela havia sumido. Daí ele disse que eu era uma pessoa muito espiritualizada, porque a ave não aparecia para quase ninguém.”
Juliana ficou bem pensativa com tudo o que aconteceu enquanto seguia, rumo ao destino final de sua viagem, o Vulcão Licancabur. Ele fica a 5.916 metros de altura, localizado na fronteira entre o Chile e a Bolívia, é considerado pelas culturas nativas do Salar de Uyuni como uma montanha sagrada e protetora.
Vulcão Licancabur localizado entre o Chile a Bolívia (foto:reprodução/ Marcos Aleotti)
Ao chegar perto dele teve a forte sensação de que tudo começou a mudar. Viu um propósito no motivo de estar ali, de ter vivido essa aventura nesse momento da vida, de ter visto um condor. Nada daquilo parecia ser por acaso.
Juliana e Karla perceberam que na região haviam mini pirâmides feitas de pedra e se interessaram por elas. O guia explicou que as pedrinhas empilhadas eram totens que as pessoas montavam aos pés do vulcão enquanto faziam pedidos. Então, as amigas decidiram participar dessa tradição e construíram um juntas, selando a amizade genuína entre elas e agradecendo por terem conseguido enfrentar todas as adversidades que encontraram durante toda a travessia. Porém, Juliana voltou para o Brasil com uma promessa feita para si mesma: a de que não procuraria ninguém para estar ao seu lado, que esperaria o universo e o tempo dele.
Juliana com os totens que fez com a sua amiga Karla (foto:reprodução/Karla)
“Eu queria uma pessoa íntegra na minha vida, eu fiz esse pedido, eu queria um homem como o meu pai é para minha mãe. Depois que eu vi aquele condor, eu vi que essa viagem era diferente para mim e que eu precisava me conhecer e me dar oportunidade de viver uma vida diferente e ser paciente, porque tendo paciência, eu ia encontrar a pessoa correta.”
Após sete anos dessa viagem que mudou a vida de Juliana, despretensiosamente, ela sentiu paz em seu coração ao encontrar a pessoa certa para viver sua tão sonhada história de amor, o Flávio.
Flávio é policial rodoviário federal e foi paciente da Ju por meses após sofrer uma lesão. Se tornaram muito próximos e ao conhecer ele mais, ela se solidarizou com as dificuldades que Flávio estava enfrentando e quis ser também um suporte emocional para o mesmo. Por isso, eles começaram a trocar mensagens despretensiosas para conversar sobre o dia a dia. Com o passar do tempo, ele tomou coragem e com o apoio da sócia de Juliana, a convidou para um encontro.
Já na primeira vez que jantaram juntos, Flávio pediu Juliana em namoro, mas devido às dificuldades que ele estava vivendo, ela o convenceu a aguardar o momento certo para dar esse passo importante. Mesmo com essa decisão, eles continuaram saindo e como estavam cada vez mais próximos, Juliana finalmente aceitou o pedido de namoro. O momento dos dois foi tão certeiro que ambos sabiam que queria uma parceria para a vida toda, não apenas algo passageiro, eles queriam alguém para construir uma família junto.
Depois de três meses de namoro, Flávio pediu a mão de Ju em casamento, só então ele conheceu João e José Calixto, os filhos de Ju. Ela aceitou o pedido, mas disse que só se casaria se fosse aos pés do Vulcão Licancabur. Depois de contar tudo o que viveu na viagem feita anos atrás e o que se casar lá significava para ela, Flávio aceitou a ideia, afinal a única coisa que importava era se casar com sua amada.
O casal sabia que não seria fácil, pois os gastos seriam altos. Entretanto, antes da decisão, Juliana já havia comprado um pacote da viagem, com a agência de seus amigos Carol e Willer, para visitar alguns países da América Latina. Inclusive iria novamente ao Vulcão Licancabur, dessa vez na parte acessível apenas pelo Chile.
“Eu falei para ele que aquela viagem era algo que eu fazia todo ano, 15 dias do ano, eu tirava para mim sozinha, mas que dessa vez seria a nossa viagem, a viagem do nosso casamento”
Então Flávio também comprou o pacote da viagem e eles planejaram a ida para o ano de 2022. Porém, por conta do período pós pandêmico gerado pela Covid-19, as fronteiras do país estavam fechadas. Por conta disso, em uma reunião da empresa de turismo decidiram reagendar a viagem para dezembro de 2023 e alterar a rota principal, mantendo como destino final o Vulcão Licancabur. Mesmo com essas mudanças, o casal continuava com sua decisão firme.
Tudo ia bem, até que o início de 2023 trouxe notícias ruins ao casal. Juliana descobriu um problema cardiovascular e precisou fazer uma cirurgia para adicionar uma prótese no coração, mas durante o procedimento ela teve uma hemorragia gástrica.
“Essa hemorragia me levou para a UTI, fiquei dois dias na UTI em estado grave e depois fiz uma microcirurgia para tapar essa hemorragia no estômago, um vaso rompeu e em decorrência disso muitas coisas se agravaram e os médicos comunicaram aos meus familiares que era possível eu não sobreviver”
Em meio à crise na UTI, Flávio a chamou de volta, dizendo que os filhos dela e que ele precisavam que ela fosse forte. Esse comovente pedido a convenceu a lutar por sua vida.
Juliana acha que esse momento tão delicado desencadeou muitas preocupações em sua família e as mesmas causaram problemas de saúde. Em julho de 2023 o pai de Ju foi internado e o câncer de sua mãe retornou. Em um momento de tanta fragilidade as coisas ainda se apertaram mais quando Flávio descobriu um câncer em novembro. Por todas essas desavenças, os planos da viagem tão esperada se esfarelaram.
“Foi um balde de água fria, nós não vamos viajar mais, nós não vamos fazer esse casamento e eu não vou fazer nada disso, eu não vou firmar votos em lugar nenhum e talvez essa não seja a pessoa que preciso ter para o resto da vida, então eu não vou, né? Foi o sentimento que eu tive.”
Diante de tudo isso, ela cancelou a viagem marcada para dezembro. No entanto, ao falar com a agência de turismo, descobriu que com as alterações feitas no roteiro, essa viagem passaria por exatamente os mesmo lugares que ela visitou em 2017. Só podia ser um sinal do universo, eles não puderam ignorar isso e foram corajosos em topar essa aventura.
Eles foram viajar, mas desistiram de se casar aos pés do vulcão, porque já não havia mais ânimo e nem emoção para tal acontecimento. Contudo, durante a travessia, contando toda a história para as pessoas da excursão, eles mudaram de ideia novamente. Eles queriam e iriam se casar aos pés do Vulcão Licancabur! Abandonar todo o glamour do casamento tradicional por algo mais íntimo foi muito importante para os dois.
“Então, nós fomos para a Matriz, na capela da Catedral de São Lorenzo, que eu fiz a oração na minha viagem sozinha, lá nós firmamos nossos votos, apenas eu e ele.”
Os companheiros de viagem se tornaram as testemunhas da amorosa união e todos se envolveram na preparação para o casamento. Entre os colegas de excursão, os noivos escolheram quem seriam os padrinhos, as madrinhas e o porta-alianças. Flávio vestiu parte de seu uniforme da PRF durante a cerimônia e as madrinhas fizeram um buquê de flores colhidas no deserto para Juliana.
Testemunhas do casamento (foto:reprodução/Marcos Aleotti)
A cerimônia foi mágica, cada detalhe contribuído por alguém da excursão. Willer foi o celebrante da comunhão, em seu discurso falou sobre a experiência de Ju com o condor e como esse momento simboliza o renascimento dela. A cerimônia, realizada a quase 5 mil metros de altitude, foi um novo começo, marcando a união e a luta contra a doença, sustentada pelo amor e pela persistência em buscar felicidade. Em homenagem a grandeza desse momento, eles carregam a silhueta do Vulcão Licancabur em suas alianças.
“A vida dá chances para gente se reinventar. Eu poderia muito bem não ter feito a viagem. Então, dependeu de que? De ter vontade, de acreditar que o amor tudo sustenta, tudo suporta. Isso é válido, vale a pena não desistir. A persistência no querer mais, a persistência no querer viver feliz, a persistência em acreditar que existe felicidade aqui nessa Terra, isso é muito importante para nós.”
Juliana emocionada com a ceremônia de seu casamento (foto:reprodução/Marcos Aleotti)
Juliana e Flávio felizes com a celebração do seu casamento (foto:reprodução/Marcos Aleotti)