Mulheres com mais de 60 anos conhecem o mundo fazendo mochilão

Iracema, Vera Lúcia e Flora tiveram uma cansativa jornada quando mais novas e isso só as fizeram querer viajar mais ainda

Júlia Marreto
Por Júlia Marreto
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Depois de décadas de trabalho, entre o acúmulo de dois ou três empregos para criar sozinha sua filha e, ainda, aumentar a renda, a jornalista Iracema Genecco se aposentou aos 60 anos. Momento em que decidiu que era hora de cuidar de si.

Logo que conseguiu sua aposentadoria, Iracema viajou para a Europa. Vendo a possibilidade de conhecer novos lugares, ter novas experiências e, enfim, se entregar à vida, tornou-se mochileira.

Mas ela não é a única que enxergou um novo estilo de vida nas viagens sozinha pela vasta imensidão das maravilhas mundanas.

Vera Lúcia, de 69 anos, e Flora Contin, de 65, são outros grandes exemplos de mulheres guerreiras que, depois de anos se revezando entre os cuidados com a família e o trabalho, decidiram mergulhar no mundo das viagens de baixo custo com pouco ou nenhum luxo.

“Entre as boas experiências que guardo das viagens, a maior de todas é a descoberta de que devemos viver o momento presente da melhor forma possível, pois não conhecemos o futuro e o passado nunca será recuperado”, diz Iracema à BBC Brasil, que fez seu primeiro mochilão em 2011.

O aumento da população idosa viajante está aumentando cada vez mais. Situação que faz com que o setor turístico se adeque às necessidades do novo público.

“Temos que trabalhar com políticas públicas específicas e sensibilizar os prestadores de serviços turísticos para a necessidade de estarem cada vez mais preparados para atender esse público de acordo com suas especificidades”, explica Vinícius Lummertz, ministro do Turismo, à BBC Brasil.

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Iracema Genecco | Arquivo Pessoal

Para Iracema, idosos tem medo de conhecer novos lugares por acreditarem ser impossível viajar depois dos 60 anos.

“Se a pessoa tem boa saúde, gosta de caminhar bastante e tem forças para levar a mala, o resto é lucro. É importante fazer um check-up antes, com médicos e dentistas, contratar um seguro de viagem pelo período em que permanecer fora e levar medicação necessária. Tomando esses cuidados, fica tudo bem.”

Iracema começou suas viagens depois que a filha se tornou independente e se mudou para Londres (Inglaterra). Foi quando, em sua primeira viagem para visitar a filha descobriu o gosto por viajar.

Atualmente, vive viajando (literalmente). “Fui aumentando gradativamente os períodos das viagens. Começaram com duração de quatro meses, depois seis meses, passou para um ano e agora não tenho mais volta programada. Gosto de viagens de longa duração. Vou para uma região, me instalo e saio para conhecer as redondezas.”

E conta que nenhum problema ficou sem solução: “Eu consigo dialogar em inglês, italiano e espanhol. Não houve nenhuma dificuldade que o Google Translate não solucionasse”.

No quesito financeiro, Iracema utiliza a aposentadoria para se manter nos lugares e, também, trabalha em troca de hospedagem e alimentação. “Já cuidei de cachorro e de casa, fiz plantações em jardim ou horta e até limpei casas.”

Ela conta ainda que aprendeu a readaptar a vida e os costumes após se tornar viajante. “Não compro nada além do necessário. Ando de transporte público ou de carona. Só compro passagens aéreas se estiverem em promoção”, diz.

Solitária durante a maioria das viagens, a idosa teve de aprender a lidar com os próprios temores. “O medo é inevitável, acredito que ele seja o nosso guardião. Ele nos avisa dos momentos potencialmente perigosos.”

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Vera Lúcia e seu filho em viagem à Croácia | Arquivo Pessoal

Vera Lúcia é outro exemplo de idosa que viaja de mochilão pelo mundo. Ela já tinha visitado a filha nos Estados Unidos, três vezes, mas nunca passou pela sua cabeça rodar o mundo com um orçamento baixo.

Foi quando seu filho disse que iria fazer um mochilão sozinho que ela decidiu que iria se aventurar. “Falei que também queria ir. Eu quis ter essa experiência porque tenho a cabeça bem aberta, gosto muito de ler e de me aventurar”, conta Vera à BBC Brasil.

Vera e seu filho, o analista de marketing Helder Araújo, viajaram durante 18 dias, se hospendando em hostels, fazendo menos de 3 refeições por dia e utilizando transporte público, conheceram Roma e Florença, na Itália; Liubliana, na Eslovênia; Zagreb, na Croácia; e Viena, na Áustria.

O desempenho da aposentada surpreendeu o filho, que não esperava que ela conseguisse ir a todos os lugares planejados. “Várias pessoas com minha idade não têm metade do pique dela. Ela foi incrível.”

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Flora Contin | Arquivo Pessoal

Outro grande exemplo de determinação é Flora Contin, de 64 anos que até queria uma companhia para suas viagens, mas como seus filhos não puderam acompanhá-la, decidiu que era sua hora.

“Eles trabalham e têm a vida deles. Chamei também alguns amigos, mas ninguém podia”, comenta. Sozinha, decidiu realizar um sonho que a acompanhava havia anos: conhecer Machu Picchu, no Peru. “Decidi que era a minha hora de viajar.”

Para conseguir realizar seus grande sonho de conhecer o mundo, Flora começou a pesquisar em sites e páginas sobre mochileiros que foram à Machu Picchu (Peru).

“Depois, começamos a pesquisar sobre hotel, hostel e outras coisas. Comprei minha passagem com antecedência e anotei todas as dicas que via em grupos de viajantes.”

Flora teve medo mas, aos pouquinhos, foi superando cada um.

“Eu tive muita insegurança. Logo que cheguei ao Peru, tive que me virar. Não havia ninguém me esperando. Para driblar o medo, toda hora pensava: é um sonho e vou superar.”

Ela passou dois dias em Lima, capital do Peru. Depois foi para Cusco, onde visitou sítios arqueológicos e museus. Por fim, embarcou no ônibus que a levou a Machu Picchu.

“Quando você está lá, as coisas vão acontecendo aos poucos e você vai superando. No fim, fiquei feliz, mesmo com meus medos e inseguranças”.

Flora e Vera Lúcia planejam novos passeios, no Brasil e no exterior. Já Iracema continua sua viagem pelo mundo e sem previsão para voltar a morar no Brasil.

 

Via: BBC Brasil