Animais domésticos: novo Código Civil brasileiro pode viabilizar reconhecimento jurídico de “famílias multiespécie”

Proposta de alteração do Código Civil prevê novos direitos para animais de estimação e amplia responsabilidades dos tutores; entenda

Thaís Muniz
Por Thaís Muniz
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A catástrofe climática no Rio Grande do Sul mostrou que hoje as famílias vão muito além das pessoas. A comoção generalizada com cachorros encontrados nadando, cavalos em cima de telhados, resgate de gatos e até galinhas e porcos das enchentes deram a exata dimensão de como o ser humano se relaciona com os animais e tudo o que eles significam. As famílias são, portanto, “multiespécie”.

Na proposta preliminar de mudança do Código Civil, entregue ao Senado Federal em abril, os animais ganharam um novo status, contando com um capítulo inteiro só para eles. Pelo texto, se estabelece até uma nova relação jurídica com eles sendo reconhecidos como seres vivos capazes de ter sentimentos e direitos.

Diferentemente do Código Civil atual, que trata os animais como um bem móvel qualquer, essa nova proposta dará, na prática, maior proteção jurídica a eles. Além disso, vincula-os a seus donos, trazendo mais responsabilidades aos tutores.

Isso significa que, se o texto for aprovado, os casais ou conviventes terão de acertar quem fica com a guarda dos animal doméstico e obrigações para manutenção da vida deles, com estabelecimento até de pensões, em entrevista para o InfoMoney, a advogada Fernanda Haddad, especialista em Gestão Patrimonial, Família e Sucessões do Trench Rossi Watanabe. “É quase uma equiparação com um filho”, diz ela.

A especialista afirma que os novos direitos em análise não são exagero, mas uma questão que vinha sendo pedida pela sociedade, com diversos processos solicitando ao Judiciário decisões do tipo. “Houve até uma decisão emblemática que abordou que os bichos eram integrantes da família”, pontua Fernanda.

Famílias Multiespécie

A expressão “família multiespécie” tem sido cada vez mais usada na comunidade jurídica para designar as relações entre seres humanos e animais. À medida que a afetividade se consolida como critério para definir como família qualquer grupo que conviva junto, crescem as analogias entre os vínculos familiares e os laços sentimentais de seres humanos com bichos.

O relatório do anteprojeto do novo Código Civil, que ainda vai tramitar no Senado, traz muitas mudanças em relação à forma como os animais são reconhecidos e tratados juridicamente. As novidades podem abrir caminho, na visão de juristas, para tornar as chamadas “famílias multiespécie” uma realidade no Direito brasileiro.

Os animais ganham pela primeira vez uma seção inteira dentro do Código Civil, no livro II, que trata dos bens. O art. 91-A estabelece os animais como “objetos de direito”, reconhecendo-os como “seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria”.

Além disso, a proposta enfatiza a relação afetiva entre humanos e animais, levantando a possibilidade de reivindicação de danos por aqueles que se sentirem prejudicados pela perda ou sofrimento de animais com os quais mantêm um vínculo afetivo. O texto diz:

Da relação afetiva entre humanos e animais pode derivar legitimidade para a tutela correspondente de interesses, bem como pretensão reparatória por danos experimentados por aqueles que desfrutam de sua companhia.

Dentro do contexto das famílias, a proposta para o novo Código Civil estabelece que tanto no casamento quanto na união estável há a obrigatoriedade de compartilhar as despesas relacionadas aos animais de estimação. Isso se aplica não apenas durante a relação, mas também em caso de dissolução do casamento ou da união estável, com a divisão de despesas e encargos com os animais após o término do relacionamento.

Projeto de Lei

Não só nas propostas da comissão de juristas para o Código Civil, mas também no Congresso, a noção de famílias compostas por animais já foi trazida à discussão. Em tramitação na Câmara dos Deputados, há o Projeto de Lei 179/23, que fala explicitamente na “família multiespécie”.

O documento é de autoria dos deputados Delegado Matheus Laiola (União-PR) e Delegado Bruno Lima (PP-SP), e estabelece uma série de direitos e proteções legais para os animais, com ênfase na afetividade nas relações entre humanos e animais domésticos. O art. 8º do projeto chega a afirmar: “Os animais de estimação serão considerados filhos por afetividade e ficarão sujeitos ao poder familiar”.

O projeto chama os donos dos animais de “pais humanos”, e diz que é obrigação deles, entre outras coisas, “dar nome e sobrenome ao animal” e “dirigir-lhes a criação e exigir que lhes prestem obediência e respeito, sem infligir-lhes maus tratos”.

Assim como a proposta da comissão de juristas para o novo Código Civil, o projeto da Câmara também aborda a proteção dos animais em situações de divórcio ou fim de união estável, regulamentando a guarda, visitas, e a atribuição de patrimônio por testamento.

 

 

 

*Fontes: Gazeta do Povo e InfoMoney

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